Era um prédio no Plano Piloto, daqueles com piso de taco, antigo, armário embutido com cheiro de naftalina. Estava num quarto grande, cama de casal com edredom branco e confortável, abajur iluminando as paredes engessadas há tanto tempo. Não me lembro o exato momento ou se algo o engatilhou; acredito que nos sonhos as razões, os começos, os fins, são uma nuvem de fumaça que acalma, intoxica e faz esquecer. A primeira sensação foi da cama levitando, coisa que já tive contato em outros sonhos. Mesmo com tal movimento conhecido pelo subconsciente, a sensação de maravilhamento foi brilhante. Aos poucos o quarto começou a flutuar, mexendo-se devagar para a direita, depois para a esquerda, como num brinquedo gigante do parque de diversões. Senti medo quando o ceticismo me espetou atrás da orelha. Fingi não sentir. E quando relaxei novamente, o prédio inteiro estava flutuando. As portas e paredes sumiram. Eu via a cidade de cima, do alto do concreto tremendamente grande. Meu corpo quase caindo, mas a confiança fazendo dele estático de alguma maneira. A gravidade negada. Passeei pelas ruas verdes do avião-borboleta. Pousamos na área de fumantes de algum Ministério. Ninguém nas ruas. Acendi um cigarro e procurei algum ser que pudesse me falar se havia visto meu prédio e eu rondando pelos ares. De novo a espetada atrás da orelha. Novamente respirei e quando soltei a fumaça a praça estava no ar. Acordei leve e estava chovendo.
V.
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